A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) está atuando em defesa do direito à moradia das famílias residentes da quadra 59 do Bairro Jardim Alvorada (antigo Manacás), em Belo Horizonte, que estão sob ameaça de serem removidas.
O caso
Várias famílias adquiriram lotes na quadra 59, que se tornou valorizada após a abertura e obras de requalificação e intervenção urbanísticas realizadas na Avenida Presidente Tancredo Neves.
Como acontece em várias regiões da cidade, o local foi loteado irregularmente e vendido às famílias que, de boa-fé, compraram os lotes.
Apesar de a lei determinar que a aquisição de imóveis deve ocorrer mediante o registro do instrumento de compra e venda no cartório, a informalidade urbana ainda prepondera, e a compra de imóveis em regiões periféricas ocorre apenas mediante a tradição de se fechar negócios desta forma e a transferência da posse.
A área em questão foi negligenciada durante anos pelo proprietário registral, que não fez o registro do loteamento e não pagou pelo IPTU, não cumprindo com a função social da propriedade. Com a valorização monetária da área, ele ajuizou várias ações de reintegração de posse que mascaram a formação de um polo passivo multitudinário.
Com isso, as famílias que lá residem estão ameaçadas de despejo sem qualquer direito à indenização, apesar de terem feito várias benfeitorias (edificações) que extrapolam o valor do terreno.
Em defesa dos moradores e para que o caso seja discutido à luz da função social da cidade, da propriedade e do direito à moradia, a Defensoria Pública de Minas ajuizou ação civil pública (ACP), de nº 5030830-80.2022.8.13.0024).
A ação foi ajuizada em face do espólio do proprietário registral, do Município de Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais.
Desapropriação
Em 2007, o Município declarou o local de interesse público e procedeu à desapropriação.
Na ocasião, os moradores que tinham a posse dos imóveis e não a propriedade foram indenizados pelas edificações. E o proprietário registral, que não tinha a posse, foi indenizado pelos imóveis desapropriados.
Os imóveis estão localizados em Zona Especial de Interesse Social, que era usada para fins de moradia de famílias empobrecidas da região. Após a remoção das famílias e a desapropriação, outras ingressaram no imóvel e residem lá até hoje.
De acordo com a ACP ajuizada pela Defensoria, as ações de reintegração ingressadas pelo proprietário registral desconhecem o histórico de perda da posse do imóvel por parte do autor.
Além disso, também não observam que a localização dos imóveis em zona especial de interesse social, somada ao fato da desapropriação, indicam que o proprietário já não tinha a posse do imóvel.
A ação ajuizada pela DPMG busca apontar uma solução justa para as partes em conflito e que envolva a responsabilização dos entes públicos na qualidade de vida e ocupação do solo urbano por parte das famílias que residem na quadra 59.
Conforme argumentado na ACP, os imóveis que estão em nome do espólio acumulam dívidas de IPTU e estavam negligenciados antes de serem vendidos para os atuais moradores.
“A concretização dos despejos por força do cumprimento de decisões de reintegração de posse de cunho individual, além de descaracterizar a coletividade, formada pelos vários moradores, também se afasta do objetivo de construção de cidades justas e a diminuição da desigualdade social, que deve ser perseguido pelo Estado de Minas Gerais e pelo Município”, observa a defensora pública Cleide Nepomuceno.
A Defensoria Pública de Minas pede que seja declarada a perda da posse dos proprietários em favor dos moradores, tendo em vista o princípio da função social da propriedade, e que eles sejam indenizados pela perda da propriedade, nos termos do artigo 1228, §4º do Código Civil.
Para Cleide Nepomuceno, “o ajuizamento da ação é uma ampliação da discussão do conflito na Justiça, que deve enfrentar a questão do cumprimento da função social da propriedade e da impossibilidade de despejo de um quarteirão inteiro de pessoas que se estabeleceram no local com seus recursos conquistados com muito trabalho”.
A ACP foi ajuizada em 21 de fevereiro e tramita na 32ª Vara Cível da comarca de Belo Horizonte.
Alessandra Amaral/Jornalista DPMG